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CONTO #3 - UMA BRIGA DE CÃO E GATO

I O quadro de pintura abstrata. A música ambiente de um grupo brega qualquer. As revistas na mesa de centro com manchetes da vida de famosos. Duas ilhas, na incontinência de seus anseios. Parecia que, dos quinze minutos que esperavam, duas horas se passaram. - Senha P93. Preferenciais costumavam ser pessoas que necessitavam de abraços sociais. Preferenciais eram os idosos. Os deficientes físicos e intelectuais. Os obesos. Os pacientes com câncer terminal. Gestantes, no entanto, não estariam em um lugar como aqueles. Olhou o papel que segurava: P95. II A demanda sufoca um artesão. Pedissem à DaVinci uma Monalisa na angústia de uma semana, lhe entregaria uma peça manca, de olhares tortos, meia acabada. O lucro sobrepõe a condição de entregar ao cliente o que lhe é de direito. Aos poucos, as partes se acostumam. Assim é o capitalismo. Saiu como NDR4000. Versão beta com paths de atualização que lhe transformariam no NDR7800. Um preguiçoso, deitado no sofá, também po
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ARTIGOS #2 - A (DES)CORTESIA NO BARROCO BRASILEIRO: EXPRESSÃO DE CULTURA

Eu e o filósofo e doutor em Linguística Anderson Ferreira acabamos de publicar um artigo que analisa a décima de Gregório de Matos, Outra pintura em sombras desta dama, com o intuito de examinar as estratégias de (des)cortesia nos enunciados desenvolvidos por esse gênio da Literatura Barroca.  Estamos carecas de saber que nossa herança cultural não privilegia muito outras etnias, que não as europeias. Dessa maneira, não seria nenhuma surpresa identificarmos que Gregório de Matos tematiza a beleza de uma formosa dama de seu tempo, com as formações discursivas que direcionam as vozes do poder local no Brasil colonial do século XVII: o homem, o branco, o aristocrata, o acadêmico. No entanto, não crucifiquemos o pobre Gregório. Como um bom Barroco, gosto de enxergá-lo como um sujeito cinzento, demaziado humano, com uma sensibilidade invejável em sua época. Sem dúvida, um dos grandes gênios de nossa cultura antropofágica. Gregório de Matos funde, neste poema, erotismo e religiosi

CONTO FCBR #2 - PIRATAS INTERGALÁTICOS EM BUSCA DE TURMALINA

''VINCENT: All right, Mia. So, Listen, I gotta go, all right? Oh! Jesus fucking Christ!'' Quentin Tarantino, Pulp Fiction I O planeta Terra voltara a ser interessante para aquelxs quatro CsOs que tomavam café da manhã em uma movimentada padaria paulistana. Jonas: vocês já se perguntaram alguma vez na vida, porque nós sentimos fome? Luiza: cara, eu não sei. Só sei que esse café está bem melhor que a bosta do rango do Betão! Betão: filha da puta! Dá próxima vez você será a cozinheira! Jonas: é sério, cassete! Essas coisas às vezes vem na minha cabeça… tipo, porque porra temos que comer, beber, cagar e mijar? Porque já não nos projetam sem essas funções idiotas?  Ana: pode crer… eu preferiria ser o C3PO do que ter que comer essa merda de comida que o Betão faz! Betão: vocês duas vão tomar no cu! Jonas: a gente pensa que o sistema-radícula é quem nos mantem relativamente livres, mas eu me sinto mesmo é numa liberdade vigiada nessa porra… L

CONTO FCBR #1 - SUSPIROS LIQUEFEITOS (parte II)

Na melancolina, o eu contrai algo da perda e do abandono que agora marca o objeto, um abandono que é recusado e, justamente por ser recusado, é  incorporado. Nesse sentido, recusar uma perda é  se tornar a perda.  A vida p síquica do poder, Judith Butler V Luiza imaginou que seria fácil lidar com a pressão do novo trabalho. Ganharia muito bem. Encontraria uma área da programação em Realidades Aumentadas que lhe garantiria destaque ético. Porém, quando o assunto é o ser-humano, tudo é relativo. Encontrou nos processos dos clientes premium um terreno tão interdisciplinar, que sentiu saudade do antigo local de trabalho na pacata representante de álcool e cosméticos. No bar com algumas amigas e a namorada Vivian, Luiza só conseguia militar a favor de sua boa intenção. - A gente oferece o que todo mundo sempre buscou. É simples entender o projeto Yorick. Eu topei o trabalho não só pelo salário, mas porque eu também ajudo as pessoas a curar seus traumas. Como de

CONTO FCBR #1 - SUSPIROS LIQUEFEITOS (parte I)

''Eu o conheci, Horácio, um companheiro de inúmeras brincadeiras, de notável  fantasia, que carregou-me às costas umas mil vezes, e agora, quão abominável me parece! Causa-me um nó na garganta vê-lo agora.'' Hamlet, de William Shakeaspeare I Registro 57898 - projeto Yorick - Memento Mori Solange está na porta do elevador, no andar do estacionamento. Seu pulso começa a arder, pelo peso das sacolas de compras. Quando o braço parece fraquejar, é surpreendida por um beijo no pescoço e uma mão forte que toma para si as sacolas. Se assusta, mas logo se dá conta de que chegou ao mesmo tempo que Eduardo. - Sei que já devia ter chegado. Me desculpe. Conseguiu tudo no mercado? - o marido ainda tem o perfume da manhã. - Sim, tudinho! - Então, o jantar é por minha conta. Você descansa... II Luiza ainda se adequava à nova rotina de gerente de relações públicas do Projeto Yorick. Na mesa, alguns documentos com o título Memento Mori  e proces

DICA DE LEITURA #1 - APOLOGIA DA POLÊMICA, DE RUTH AMOSSY

Carxs visitantes desse estranho mundo Kepler-186f, quando iniciei meu doutorado, eu estava com muita vontade de estudar uma categoria da Análise do Discurso que me parecia muito produtiva: a polêmica. Esbocei todo meu projeto entorno de uma hipótese: discursos são por natureza polêmicos e esse regime da polêmica é aquilo que sustenta a interação entre os envolvidos em uma mediação linguística. Passaram-se dois meses e eu me distanciei dessa hipótese para uma outra que, conversando com meu orientador, nos pareceu mais madura: analisar os espectros subjetivos de discursos de orientação espiritual, considerando-os literários. Dessa maneira, eu continuaria na pesquisa apaixonante sobre Literatura Barroca e deixaria a polêmica dar aquela fermentada na cabeça para, quem sabe, uma prosa futura. Eis que o tempo para a prosa futura chegou. O momento para discutirmos sobre a polêmica nunca foi tão urgente. Na macro e nas micropolíticas, nas culturas diversas, estamos cada vez mais a

ARTIGOS #1 - UM DIÁLOGO ENTRE UM LINGUISTA E UMA TERAPEUTA OCUPACIONAL

Carxs visitantes desse mundo estranho que é Kepler-186f. Essa é a primeira postagem do blog e inauguro nela a apresentação dos artigos acadêmicos sobre Linguística que desenvolvi ao longo dessa trajetória em curso como pesquisador. Em parceria com a amiga e terapeuta ocupacional Marina Pastore, publicamos este ano, na Revista Seminal Digital, organizada pela UERJ, um artigo sobre a infância em Moçambique. Nós selecionamos o conto Adi banana lê, escrito pela própria Marina, que enxerga a criança como um sujeito social complexo, capaz de ressignificar o mundo que vive. O ponto de partida para a escrita desse artigo foi questionarmos o papel social que costumeiramente atribuímos à criança moçambicana, muito marcado por um filtro eurocêntrico.  O discurso encontrado no conto que analisamos sinaliza uma nova identidade para a criança e ressignifica o termo trabalho, propondo uma nova topia não comungada com os sistemas do capital. O trabalho não fere a liberdade da criança, pod